segunda-feira, 10 de maio de 2010

CONHECENDO CONCEITOS SOBRE HUMANIZAÇÃO,DOULAS,PARTO E MUITO MAIS,

Humanização do Nascimento

Ricardo Jones, Md

Cresce em todo o planeta um movimento fundamental, resgatando valores fundamentais, capazes de provocar profundas mudanças, na direção de um mundo menos violento, mais amoroso, digno, respeitável e justo.
A entrada da tecnologia nas nossas vidas, a partir do século XVII, acabou atingindo até os nossos ciclos e processos biológicos. O uso indiscriminado de drogas (legais e ilegais) é mais um dos reflexos de uma cultura que acredita estar a saúde fora do corpo, e magicamente acondicionada em drágeas, pílulas, comprimidos e injeções. Esta modificação na forma como compreendemos a busca pelo equilíbrio (de um modelo interno, para um modelo externo) produz repercussões em toda a sociedade. Nas sociedades ocidentais contemporâneas a saúde e o bem estar são vendidos como produtos, alienando o indivíduo de sua busca pessoal e responsabilização.
As mulheres, historicamente entendidas como possuidoras de organismos defectivos, foram as mais atingidas. No que tange ao nascimento humano vemos hoje em dia uma clara sinalização sobre os perigos do excesso de artificializaçã o da vida. O aumento das cesarianas é um bom exemplo deste exagero. Esta que deveria ser uma cirurgia salvadora acabou sendo banalizada ao extremo, e um percentual muito grande de mulheres acaba optando pela sua realização sem uma noção exata dos riscos a ela associados. Sabemos que no México temos índices de nascimentos cirúrgicos da ordem de 50%, assim como no Chile, Coréia e China. No Brasil a incidência desta cirurgia já superou a marca de 42% [1], e  nos Estados Unidos já temos mais de 30% das mulheres se submetendo a este procedimento cirúrgico. A Organização Mundial da Saúde (OMS) determina que não mais de 10 a 15% dos partos podem terminar em uma cirurgia de grande porte como a cesariana. Existe, portanto, um claro abuso na indicação desta cirurgia, pois esses números acima do razoável não se relacionam com necessidades de caráter médico. Incrivelmente, num mundo em que os indicadores de saúde melhoram em função do incremento nas condições sociais, a mortalidade materna aumentou nos últimos anos nos Estados Unidos, principalmente às custas do aumento de cesarianas naquele país [2].
A sociedade civil organizada está se dando conta de que o modelo tecnocrático existente não está mais oferecendo qualidade de saúde que as mulheres exigem, e se une, através das múltiplas formas de representatividade, para discutir o destino do nascimento no nosso país. É desse caldo social e cultural que surgem as organizações de mulheres, de profissionais, governamentais e a própria mídia para impulsionar as mudanças que a sociedade exige no que tange à segurança para mães e bebês.

Humanizando o Nascimento

Humanizar o nascimento é restituir o lugar de protagonista à Mulher.
Humanizar a chegada de um novo ser ao mundo baseia-se na idéia de que ele deve ser tratado com carinho e ser bem recebido desde o início, além de oferecer à mulher o controle do processo. A metáfora da festa se presta para este momento: se você fosse receber um filho seu que passou muitos anos fora de casa, prepararia uma festa em que ele pudesse ser recebido com afeto e consideração. No parto, a mesma situação. A transformação do  parto, de um acontecimento social em evento médico, é um processo cujas conseqüências ainda não foram completamente entendidas. Os humanistas do nascimento acreditam que a fisiologia das mulheres é absolutamente capaz de dar conta dos desafios a ela impostos. Partimos da pressuposição básica de confiança e otimismo. Acreditamos no processo evolutivo como depurador e impulsionador de transformações lentas e gradativas na natureza. Somos caminhantes dos milênios e temos nossas pegadas marcadas na poeira das galáxias infinitas, no dizer de Maximilian [3].
O parto humano foi forjado nesse grande laboratório de aprimoramento que é o  processo evolutivo e sua dinâmica, e não pode ser melhorado através de equipamentos, drogas ou cirurgias. Nossa função como cuidadores da saúde é observar os casos em que existe uma fuga da fisiologia na direção perigosa da patologia. Nesse caso, poderemos com toda a confiança e cuidado usar a nossa arte e nossa tecnologia para salvar tanto mães quanto bebês. Entretanto, o que vemos todos os dias é um abuso das cirurgias, fruto de uma desconsideraçã o das capacidades da mulher, como se ela fosse sempre entendida como incapaz, defectiva, frágil e incompetente para ter sucesso ao realizar uma tarefa milenar como a de colocar seus  filhos neste mundo. Usamos abusivamente a tecnologia, e nos baseamos numa crença preconceituosa em relação à mulher: A tecnologia é mais segura do que as mulheres para dar conta do nascimento. Isso é comprovadamente falso. Por estas questões marcadamente filosóficas, a Humanização do Nascimento é também uma questão de gênero, porque a matriz desta visão distorcida é uma postura de descrédito para com a mulher e sua fisiologia. O projeto global de Humanização do Nascimento é uma forma de colocar a mulher numa posição de destaque, valorizando seu corpo e sua função social e oferecendo-lhe o protagonismo de seus partos.

Doulas

Doulas são profissionais que acompanham as grávidas durante o processo de nascimento. Elas se aperfeiçoam em oferecer suporte afetivo, emocional e físico para as grávidas durante o parto. Elas não realizam qualquer atividade de ordem médica ou de enfermagem. Seu foco de  atenção é somente a mulher e seu conforto. Não verificam pressão arterial, não auscultam batimentos cardíacos fetais, não fazem exames para ver o progresso de dilatação e não oferecem medicações de qualquer ordem. Elas são referendadas pela OMS, através do livro Assistência ao Parto Normal – Um Guia Prático [4] assim como pelo Ministério da Saúde do Brasil através do livro Parto, Aborto e Puerpério – Assistência Humanizada à Mulher [5], e sua atuação é baseada em evidências atualizadas e consistentes, como pode ser visto no livro Guia para Atenção Efetiva na Gravidez e no Parto – Enkin e Cols [6] da biblioteca Cochrane de Medicina Baseada em Evidências. Os inúmeros trabalhos realizados (Klauss & Kennell [7] – Mothering the Mother) que avaliam a ação das doulas na assistência ao nascimento mostram um decréscimo das intervenções como cesarianas,  fórceps, analgesias de parto, episiotomias, etc, junto com um aumento de sentimentos positivos relacionados com o parto. Ao lado de tantos achados positivos relacionados ao parto, também encontramos uma incidência aumentada de mulheres que se mantém amamentando além de 6 semanas após o nascimento de seu bebê [8]. Doulas não produzem trabalho redundante, não competem com médicos ou enfermeiras pelo trabalho com as grávidas e, inclusive, deixam os profissionais mais à vontade para suas tarefas específicas. Na ausência de qualquer risco associado, e com as evidências claras das melhorias associadas com sua atuação, para toda a mulher deveria ser oferecida a oportunidade de ter uma doula a lhe acompanhar durante o parto.[9]

Um Profissional para a Vida

O que é um profissional humanizado e como reconhecê-lo?
Profissional humanizado é todo aquele que entende as dimensões subjetivas do seu paciente como prioritárias. É o profissional que encara toda a paciente como singular, irreprodutível e  diferente de todas as outras. Encara o nascimento como momento único e evento ápice da feminilidade. Trata seus pacientes com gentileza e respeito, oferecendo às mulheres a condução do processo. Posiciona-se como uma instância de orientação técnica, e não como proprietário do evento. Usa os protocolos mais atualizados, como a medicina Baseada em Evidências, para o tratamento de suas pacientes, mas sempre leva em consideração a dimensão subjetiva de cada uma, forjada na sua história pessoal, suas lembranças, seus medos, suas expectativas, seus sonhos, suas características físicas e seu desejo de passar pelo nascimento de seus filhos como um ritual de amadurecimento. É um profissional que alia as habilidades técnicas com uma postura compassiva em relação às mulheres grávidas, entendendo-as como possuidoras de um grande tesouro, que deve ser cuidado com carinho e respeito.
Segundo Sheila Kitzinger, antropóloga britânica e autora de vários livros sobre partos em várias culturas, um profissional humanista é aquele que estimula que suas clientes, ao olharem para trás e lembrando do seu parto, possam enxergar uma estrada de crescimento pessoal. Um profissional humanizado sabe que o adágio hipocrático primeiro é Primum non nocerePrimeiro, não causar dano – e tem o máximo cuidado com o uso de intervenções e drogas durante o processo. Um humanista do nascimento sabe que as rotinas em qualquer centro obstétrico no mundo são extremamente invasivas, e que essa interferência no processo natural pode ter repercussões dramáticas nos resultados do nascimento para o binômio mãe-bebê.  Assim, procura ter como meta um parto em que o menor número de intervenções ocorra, ao mesmo tempo em que se preocupa com o máximo de segurança e bem estar para todos.

Humanização do Nascimento e Tecnologia

Elas não se opõem em hipótese alguma. A humanização do nascimento é a síntese que coloca  paradigmas de atenção lado a  lado.
O uso de tecnologia é uma característica ancestral do ser humano, e o que nos diferencia das outras espécies animais. Somos seres que dominam o mundo ao seu redor, ao invés de nos submetermos a ele. Somos dotados de racionalidade e de linguagem, o que nos oferece as mais amplas capacidades de modificar o meio ambiente. Essa capacidade fantástica de mudar o mundo é ao mesmo tempo maravilhosa e perigosa. Bem sabemos o quanto o uso de tecnologia poluiu o mundo a ponto de nos colocar em risco de sobrevivência. Sabemos da mortandade de peixes, do aquecimento global, do envenenamento de lagos e rios, do desaparecimento de espécies animais pela ação  predatória irresponsável. E também do número abusivos de cesarianas. Isso tudo foi construído com o nosso intelecto, mas sem uma avaliação adequada dos riscos inerentes em se modificar o mundo circundante.
A humanização do nascimento é a síntese que procura colocar dois paradigmas lado a lado, criando uma terceira via de discussão. De um lado temos o naturalismo, que encara os fenômenos de forma natural, onde qualquer intervenção humana seria inadequada e ruim. Assim, se uma criança ou mãe viessem a morrer, a natureza daria conta desta falta. Outras mulheres teriam seus filhos, e a contabilidade final levaria em consideração a proteção  da natureza, e não a vida subjetiva das mulheres que passam pelo processo.
No extremo oposto do espectro temos a tecnocracia, que é um sistema de poder que coloca em posição de destaque aqueles que controlam a tecnologia e a informação. Neste modo de ver o mundo as pessoas acabam se despersonalizando, perdendo seu rosto, tornando-se objetos da ação da tecnologia. Vemos isso diariamente, sob múltiplas formas, na medicalização crescente do parto. O nascimento, que deveria ser um acontecimento social, familiar e afetivo, tornou-se paulatinamente num evento médico, cheio de intervenções potencialmente perigosas.
Diante da distância destes dois paradigmas, como agir para oferecer o melhor que as mulheres e seus filhos precisam e merecem? Wenda Trevathan, antropóloga americana (Birth, Evolutionary Medicine) [10], sintetiza bem esta questão ao dizer que (...) as raízes do suporte emocional às mulheres são tão antigas como a própria humanidade, e a crescente insatisfação com o modo como conduzimos o parto está relacionada com a falha do sistema médico em reconhecer e trabalhar com essas necessidades. Perdemos o contato com a natureza íntima, sexual, feminina e transformadora do parto. Domesticamos o nascimento, abafando a sua natural rebeldia. Entretanto, o que  sobra de humano no parto? O que resta do evento que poderia ser aproveitado como elemento de projeção e de transformação para esta mulher?
A Humanização do Nascimento entra neste momento histórico como a síntese mais acabada das teses digladiantes. Procura entender o ser humano como um ser imerso na linguagem e que constrói a tecnologia como forma de expressão de sua própria natureza racional, mas que não pode jamais perder a sua humanidade. Assim, a idéia de humanizar o nascimento esforça-se para oferecer o melhor de dois mundos  [11], ao procurar o resgate do suporte social, emocional, afetivo e espiritual às mulheres em trabalho de parto, ao mesmo tempo em que oferece o melhor da tecnologia salvadora para aquelas mulheres que se afastam do rumo da fisiologia e se dirigem ao caminho perigoso da patologia.
Não há porque negar o recurso tecnológico para resgatar vidas que se apresentam em risco; por outro lado não há porque se artificializar um evento tão humano quanto o nascimento de uma criança. De tão artificializado, o nascimento de um  indivíduo desfigurou-se a ponto de nem ser mais reconhecido como processo ligado à reprodução e à natureza, quanto mais estar unido a sentimentos tão humanos como o amor e a esperança.

Caminhos para a Humanização

A mobilização em torno de um parto mais humano e seguro é um evento político, porque tem a ver com a expressão social de valores!
Existem várias formas de trabalhar com essa necessária reformulação. Primeiro, é importante entender a necessidade desta reavaliação. A intromissão da tecnologia em todos os setores da nossa vida cotidiana nos cria a sensação incômoda de que estamos deixando de ser o que somos. Filmes como Matrix, O Exterminador do Futuro, etc. nos falam dessa perda paulatina da essência humana através da metáfora do Cyborg. Outros filmes recentes, como Equilibrium e Children of Men nos alertam para o desaparecimento daquilo que nos caracteriza como seres humanos: a nossa capacidade de sentir, cuidar e amar os semelhantes. Este último nos mostra  uma sociedade em crise pela falta do elemento civilizador do amor, metaforizado pela infertilidade desesperadora que ocorreria em um futuro próximo. Estamos, a cada dia que passa, perigosamente mais distantes da essência humana que nos define.
Em segundo lugar temos que entender que esse não é um problema médico, ou que tem a ver com a medicina; é um problema da sociedade como um todo, com possíveis expressões médicas. Foi a sociedade, e não a medicina, que criou o modelo tecnocrático que se expressa em quase todos os aspectos da cultura. No dizer da antropóloga e professora Robbie Davis-Floyd, a tecnocracia aplicada ao nascimento  não se expressa num vácuo conceitual; aproveita uma visão crescente na cultura que encara a Máquina como a principal metáfora para explicar o nosso funcionamento como sociedade [12]. Nós verdadeiramente acreditamos que somos mais felizes por termos celulares, TVs de plasma, aviões supersônicos; por que não acreditaríamos que seremos melhores se tirarmos um bebê do ventre materno em minutos e aparentemente sem dor?
É  preciso uma compreensão muito mais sofisticada da história, da vida, da ritualística, dos valores, da fisiologia humana e dos nossos sonhos para ter uma visão dissidente do modelo tecnológico contemporâneo. Desta forma, humanização do nascimento passa pela compreensão do sentido profundo dos valores, e estes valores não podem ser alterados por decreto. Eles se formam ao longo dos séculos, às vezes mais. Mudá-los significa mexer na ultra-estrutura inconsciente da sociedade, e isso demanda tempo. Além do mais, essa mobilização em torno de um parto mais humano e seguro é um evento político, porque tem a ver com a expressão social destes valores. Somos seres que vivem aglomerados, e a nossa ação política significa organizar e mobilizar pessoas em torno de ideais comuns.

Um Processo Lento e Gradual

A educação e conscientização para o parto humanizado têm uma importância vital no processo.
Através da compreensão das forças que estabelecem nossos valores profundos podemos ver que a tarefa de  humanizar o nascimento só pode se dar através de um processo demorado e lento, porque tem a ver com a própria estrutura que sustenta a sociedade ocidental. Nossa ação, portanto, deve ser em várias frentes, sendo a educação para o parto humanizado uma das tarefas mais substanciais. Inúmeros livros têm sido escritos ultimamente sobre parto humanizado, e muitos dos lançamentos se direcionam às crianças, porque se entende que o respeito ao corpo da mulher e seus ciclos é algo que se aprende desde a mais tenra idade. Educar meninas e meninos sobre o valor do nascimento com dignidade é uma tarefa dos educadores que não pode ser mais adiada.
Outra ação importante é com os cuidadores de saúde. Estes devem  receber orientação sobre as vantagens que a medicina baseada em evidências aponta para a humanização do nascimento. Médicos, parteiras, psicólogas, educadoras perinatais, enfermeiras e doulas devem receber treinamento numa abordagem mais suave, mais social e afetiva do nascimento. A presença de companheiros e/ou familiares na hora do nascimento deve ser estimulada por estes profissionais. Esta atitude simples e de baixo custo, além de não aumentar riscos, diminui o sofrimento e oferece uma vivência mais harmoniosa do parto para o casal e/ou família.
As escolas médicas e de enfermagem deverão incluir de forma obrigatória classes que  abordem os direitos das pacientes, a humanização do nascimento, partos domiciliares e medicina baseada em evidências. É digno de nota que o Brasil acaba de assinar uma lei em nível nacional que garante a presença de um acompanhante de livre escolha da paciente nos partos atendidos no sistema público. Este documento foi assinado pelo Ministro da Saúde em cerimônia durante o II Congresso Internacional de Humanização do Nascimento, no Rio de Janeiro em 2005.[13]
Uma outra frente importante de luta é pelo direito das pacientes de terem uma doula durante o parto. A medicina baseada em evidências, como foi dito anteriormente, recomenda que se  devam estimular as pacientes a terem uma acompanhante treinada durante o parto, pelos inúmeros efeitos positivos que possui e pela ausência de riscos associados. As doulas se comportam, hoje em dia, como a linha de frente na luta por um parto vivido de forma mais tranqüila e serena. Sua presença nos partos deveria ser estimulada pelos governos e hospitais, pelas vantagens eloqüentes de sua presença.

Casas de Parto e Partos Residenciais

Um dos pontos nevrálgicos relacionados com a humanização
A partir dos anos 30 houve um fenômeno migratório imenso relacionado com o nascimento, quando milhões de mulheres no mundo ocidental se dirigiram para os hospitais para terem seus filhos, sem que jamais houvesse uma comprovação de que o ambiente hospitalar tivesse trazido uma melhora dos resultados. Hoje em dia sabemos que a fisiologia do parto fica alterada quando tiramos uma mulher do seu domínio e do seu contexto. A ida para o hospital acrescenta desafios para a mulher, sem apresentar vantagens inequívocas para as pacientes de baixo risco.
Os hospitais foram criados para o tratamento de pacientes graves, portadores de doenças que as impedem de continuarem em suas casas. Uma grávida, ao entrar em um hospital, naturalmente se contaminará com a atmosfera doentificante lá existente, e vai incorporar a idéia de que ela está, em verdade, doente. Esse efeito tem profundas repercussões em seu psiquismo e na sua vivência do evento. Seus hormônios se afastam da ritmicidade natural, e o sistema de proteção é acionado. O círculo vicioso de medo-tensão-dor,  descrito por Dick-Read [14] nos início do século passado, é acionado, produzindo a liberação da adrenalina, com todos os seus eventos adversos relacionados. Mulheres em hospitais, mesmo que tratadas com gentileza, são atendidas sob o signo do medo. Quanto mais medo, mais tensão. Quanto mais tensa, através de um processo de proteção automática, mais dor ela sentirá. Quanto mais exposta à dor patológica (diferente da dor fisiológica do trabalho de parto) mais ela sentirá medo, e o processo todo se reativará novamente, no que se convencionou chamar do ciclo vicioso medo-tensão-dor, mediado pela adrenalina.
As Casas de parto e os Partos Domiciliares vêm crescendo no mundo inteiro como alternativa ao atendimento frio e medicalizado oferecido nos hospitais. Em 1992 a Câmara dos Comuns na Inglaterra recomendava que os partos domiciliares deveriam ser incrementados e estimulados para as pacientes de baixo risco, e acompanhados por parteiras treinadas [15]. No Brasil, apesar da forte oposição da classe médica, existem casas de parto funcionando em diversos locais do país.
Nos Estados Unidos foi realizada a maior pesquisa da história sobre partos fora do ambiente hospitalar, atendidos por parteiras treinadas. Os resultados confirmaram a tese de que partos conduzidos por parteiras treinadas e em pacientes de baixo risco tem resultados iguais ou superiores àqueles atendidos no ambiente hospitalar [16]. Diante desta confirmação é importante que os governos se apressem em oferecer alternativas seguras para as pacientes,  como as casas de Parto e o estímulo ao Parto Domiciliar.
Outro ponto de extrema importância é a mudança do sistema jurídico para que os médicos se sintam protegidos ao oferecer as evidências mais atuais no atendimento às suas pacientes. No Brasil e nos Estados Unidos, por exemplo, os médicos mais processados são os obstetras, mas apenas se oferecem atendimentos humanizados e estimulam o parto vaginal. Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, realizar uma cesariana é um salvo-conduto para o obstetra, mesmo que isso signifique aumentar os riscos a que milhares de gestantes se expõem ao realizar uma cirurgia desta magnitude. Aguardar o  desfecho natural de um parto, pela via vaginal, é um risco tremendo para os profissionais porque a mitologia contemporânea favorece a medicalização extremada, mesmo que o conhecimento científico atual aponte um risco muito maior nas intervenções cirúrgicas. Enquanto os médicos (principais atendentes de parto no Brasil e Estados Unidos) forem ameaçados por processos ao atender de forma humanizada, nenhum resultado será perceptível. O aprimoramento do judiciário é fundamental para que os profissionais da medicina possam ser avaliados em juízo pelos parâmetros mais modernos existentes no atual conhecimento obstétrico, como as diretrizes oferecidas pela Medicina Baseada em Evidências.

Princípio Fundamental

Para construirmos um mundo menos violento, mais amoroso, mais digno, respeitável e justo temos que começar com o nascimento.
Acreditamos na capacidade de parir que cada mulher carrega. Acreditamos na perfeição da natureza e nos milhares de anos de preparo para os mecanismos intrincados do nascimento. Sabemos  da importância da tecnologia para salvar a vida de pessoas que estão em risco. Por outro lado, entendemos que a intervenção num processo natural só pode se justificar diante de critérios muito claros de auxílio diante de graves problemas. Intervir no nascimento para encurtar tempo ou por interesses econômicos quaisquer são erros graves que devem ser evitados. Atitudes como essas, que retiram da mulher um evento que é essencialmente seu, não podem ser tolerados em uma sociedade que deseja ser justa e fraterna.
O desempoderamento da mulher no nascimento de seus filhos tem repercussões na sociedade como um todo, pois será ela a principal guardiã dos seus valores, e quem a eles vai lhes ensinar as primeiras idéias. O parto é um momento pleno de afeto e sexualidade e a intervenção desmedida pode ter efeitos devastadores - físicos e psicológicos - para a mãe e seu bebê. Além disso, se quisermos verdadeiramente mudar a humanidade temos que mudar a forma como nascemos, como já nos dizia Michel Odent [15].
Para construirmos um mundo menos violento, mais amoroso, mais digno, respeitável e justo temos que começar com o nascimento, para que todos possam chegar a esse mundo envoltos numa aura de carinho e amor.
Referências no Texto
  • [1] tabnet.datasus.gov.br
  • [2] P. Krugman, Pride, Prejudice, Insurance,  International herald Tribune, november 8, 2005; www.cdc.gov/nchs.
  • [3] Jones, Ricardo, 2004. Memórias do Homem de Vidro – Reminiscências de um Obstetra Humanista. Ed. Idéias a Granel
  • [4] Organização Mundial de Saúde. Assistência ao Parto Normal: Um guia Prático. Relatório de um Grupo Técnico. Genebra, 1996. 53p.
  • [5] Ministério da Saúde Brasil. Parto, Aborto e Puerpério – Assistência Humanizada à Mulher -  MS 200
  • [6]Enkin M. & Cols, Guia para Atenção Efetiva na Gravidez e no Parto. 3a Edição - Guanabara Koogan 2000
  • [7] Klauss, M.H., Kennell, J.H., The Doula: An Essential Ingredient of Childbirth Rediscovered. Acta Paediatric 86:1034-6, 1997
  • [8] Enkin M. & Cols, Guia para Atenção Efetiva na Gravidez e no Parto. 3a Edição - Guanabara Koogan 2000
  • [9] Sosa, R., Kennell, J., Klauss, M., Robertson, S., and Urrutia, J. (1980) The Effective of Supportive Companion on Perinatal Problems, length of labor, and mother-infant interaction. The New England Journal of Medicine 303:597-600
  • [10] Threvathan, W.R., Smith, E.O., McKenna, J.J. Evolutionary Medicine (1999) Oxford University Press
  • [11] idem
  • [12] Davis-Floyd, Robbie. 1992. Birth as an American Rite of Passage.  Berkeley: University of California Press
  • [13] Lei nº 11.108, de 7 de abril de 2005, e a Portaria nº 2.418/GM, de 2 de dezembro de 2005
  • [14] Dick-Read, G. 2004 (orig pub 1959) Childbirth Without Fear. Pinter & Martin Ltd., London
  • [15] The Independent, Edição de 14 de maio de 2006

Nenhum comentário:

Postar um comentário