Violência em maternidades revela problemas na saúde pública
Por Rafaela Carvalho - rafaela.souza.carvalho@usp.br
Publicado em 8/outubro/2010
Uma pesquisa apresentada à Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) revela que grávidas em trabalho de parto sofrem diversos maus tratos e desrespeitos por parte dos profissionais de saúde nas maternidades públicas. Segundo a análise, esse tipo de violência, além de apontar para os problemas estruturais da saúde pública, revela a “erosão” da qualidade ética das interações entre profissionais e pacientes, a banalização do sofrimento e uma cultura institucional marcada por estereótipos de classe e gênero.
Autora do trabalho, a psicóloga Janaína Marques de Aguiar explica que essa violência acontece de diversas formas: negligência na assistência, discriminação social e racial, gritos, ameaças, repreensão, piadas jocosas, a não permissão de um acompanhante à escolha da paciente – direito que é garantido por lei – e até mesmo a não utilização de medicação para alívio da dor, quando for tecnicamente indicada. Muitas vezes, esse tipo de violência acontece quando as pacientes manifestam o seu sofrimento. “Elas já chegam ao atendimento público alertadas por mães, irmãs ou vizinhas que quem grita sofre mais: é deixada para ser atendida por último ou é maltratada.”
Para a realização desse trabalho, a psicóloga entrevistou 21 mulheres que estavam no período de até três meses após o parto em três Unidades Básicas de Saúde (UBS) de São Paulo, além de 18 profissionais da saúde pública. A partir das entrevistas, Janaína constatou que a violência institucional é banalizada e, portanto, invisibilizada por grande parte dos profissionais, que nem sempre identificam esses desrespeitos e maus tratos como uma forma de violência. “Muitas vezes, essas atitudes são vistas como uma brincadeira ou como uma tentativa do médico de fazer com que a paciente o escute.” A pesquisadora relata que é frequente o uso de ameaças para que a paciente não grite e não faça escândalo. “São comuns frases do tipo: ‘Está chorando/gritando por quê? Na hora de fazer não chorou/gritou.’ Esse jargão é bastante comum e aponta para a crença, ainda frequente nos dias de hoje, de que a dor do parto é o preço a ser pago pelo prazer sexual”, diz a pesquisadora.
Além disso, muitos dos profissionais entrevistados ressaltam a falta de anestesistas de plantão para analgesias de parto normal. A situação também é um flagrante da precariedade do sistema e de uma cultura institucional que ainda negligencia a humanização da assistência.
Janaína ressalta que a violência acontece porque o outro é tomado como um objeto de intervenção e não como um sujeito. “A complexidade desse tema envolve desde a precarização do sistema público de saúde até a própria formação dos profissionais, que muitas vezes não é voltada para uma humanização da assistência”, explica.
Como pano de fundo da violência institucional está a ruptura na comunicação, no diálogo entre profissionais e pacientes. Omitir informações, não informar sobre os procedimentos realizados, não negociar com a paciente a realização desses procedimentos, viola os seus direitos e nega sua autonomia. Isso pode gerar maior estresse para a mulher que está sendo atendida, dificultando uma comunicação eficaz.
Janaína ressalta ainda que mesmo em um contexto de dificuldades estruturais, com falta de recursos humanos e materiais, com alta demanda de atendimentos em pouco tempo, muitos profissionais conseguem dar uma assistência humanizada para suas pacientes. “Há, portanto, possibilidades de uma assistência sem violência. Mas é preciso reconhecer que essa violência existe, saber como e por que ela acontece para que se possa combatê-la.”
A tese de doutorado Violência institucional em maternidades públicas: hostilidade ao invés de acolhimento como uma questão de gênero, financiada por bolsa Fapesp, foi apresentada ao Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP e orientada pela professora Ana Flavia Pires Lucas D’Oliveira.
Mais informações: email jamaragui@usp.br
Link: http://www.usp.br/agen/?p=36706